Sobre ser boazinha
Lembra quando eu disse que eu achava que era perfeita (ou poderia ser)? Então, um segundo sintoma disso é o fato de que sou agradável, ou deveria ser.
Para ser perfeita como acho que poderia ser, antes de tudo eu deveria ser boazinha. E ser boazinha é um dom que eu cultivei com muitos traumas ao longo dos anos.
Eu sempre fui a criança boazinha. Eu tirava nota boa, eu era calma, tranquila e nunca, absolutamente nunca, respondia (só quando solicitada). Sabe aquelas crianças respondonas? Não era eu.
O que isso fez de mim? Uma adulta que deveria ser boazinha.
O problema de ser uma pessoa que deveria ser boazinha é que as suas raivas e tristezas não vão embora. Elas continuam ali, e às vezes nem tão escondidas assim.
Mas para mim, o maior problema de ser uma pessoa que deveria ser boazinha é não conseguir ser boazinha.
Às vezes, quando me dou conta de que na verdade eu não sou boazinha, eu me sinto infinitamente menor do que a minha pele e me perco, minúscula e encolhida, dentro do meu corpo. Mas outras vezes eu só abraço a minha criança respondona que queria ter sido, mas não deveria ser, e me sinto indomável, expandindo a ponto de rasgar a pele. E essa sensação é bem mais legal.
Como eu deveria ser boazinha, é inconcebível eu perceber que alguém não gosta de mim.
Numa situação normal de pressão e temperatura a gente se afasta dessas pessoas. Mas, quando o destino te coloca para conviver com elas, eu me lanço para dois caminhos: ou eu passo por cima dos meus limites para que ela goste de mim, ou eu me encolho.
O que venho percebendo que é em ambos os caminhos eu não consigo sustentar por muito tempo e acabo por me machucar profundamente.
Qual é o caminho que eu deveria percorrer? Eu acolher a minha criança respondona e estar em paz com o fato de que alguém não gosta de mim. O texto que compartilho hoje é de um destes momentos:
Mas tem algo além. Eu me impus. E no fundo me envergonho disso. O que se espera de um aluno é sempre seguir como aluno. Logo eu, a primeira da classe, bolsa de 100% em uma das escolas mais caras da cidade, leitora voraz desde os 6 anos, como não ser uma aluna querida pela professora? Mas não fui.
- Trecho do texto “Academia”
Você já leu Luxúria? Eu amei este livro, e amei ainda mais uma entrevista com a Raven Leilani publicada pela Gama. Na entrevista ela diz como na literatura, cinema, televisão, tem uma compreensão de que personagens à margem são representadas como boazinhas. “Há uma política de respeitabilidade, o que significa desviar do conteúdo negativo, profundamente traumático e violento que existe lá fora. Tudo que eu queria era ter, como escritora negra, liberdade para criar uma mulher negra profundamente complexa”. Vale muito, o livro e a entrevista.
Continuo lendo Falso Espelho, ainda mais rápido do que antes, continuo vendo Mad Men, ainda mais devagar do que antes.
Finalizo esse e-mail sendo boazinha. Tenho ajudado na divulgação do projeto de um primo querido. Ele largou a faculdade para criar uma escola não tradicional de artes, esporte e tecnologia para a comunidade caiçara de Pouso da Cajaíba, na Reserva Ecológica Estadual da Juatinga. É um projeto incrível.
É isso.
Tenho gostado bastante de receber respostas destes e-mails.
Se sentir vontade, pode responder.
Até mais,
Carol.